Tuesday, December 29, 2015

A diferença entre Psicopatia Primária e Secundária

Karpman (1941) introduziu a primeira categorização da Psicopatia como um constructo bifactorial, onde se podem distinguir o Factor 1 - Psicopatia Primária - e o Factor 2 - Psicopatia Secundária - estando o primeiro associado a défices afectivos, de origem genética e o segundo a uma fraca aprendizagem psicossocial com origem ambiental. O autor identificou um grupo de indivíduos que apresentavam um comportamento errático e marcado por condutas antissociais, que exibiam elevados níveis de ansiedade e de depressão, em conjunto com sentimentos de raiva, agressividade e impulsividade, aos quais designou por Psicopatas Secundários. Por outro lado, indivíduos com défices na sensibilidade emocional, que considerava serem inatos designar-se-iam Psicopatas Primários (Drislane et al., 2014). 

Lykken (1957) também encontrou padrões de resposta contrastantes entre os dois subtipos de psicopatia, em tarefas de laboratório, onde constatou que o grupo com traços patológicos de Psicopatia Primária – com baixos níveis de ansiedade - se distinguia do grupo com Psicopatia Secundária – com elevados de ansiedade - pela incapacidade de inibir respostas de punição e por uma baixa activação fisiológica na antecipação da dor. Lykken (1995) considera que a psicopatia primária reflecte uma baixa predisposição para sentir medo, por outro lado, a secundária tem a sua base no temperamento, que nestes indivíduos se mostra excessivamente sensível à antecipação da recompensa. 

A distinção entre a Psicopatia Primária e a Secundária é também adoptada por Robert Hare (1980; 1991). O autor define a patologia como uma dimensão contínua, constituída por dois grupos de indicadores, os de cariz afectivo e interpessoal e os relativos ao comportamento antissocial. Hare concebeu um instrumento que é actualmente o mais utilizado para avaliar a Psicopatia, a Escala Revista de Psicopatia (Psychopathy Checklist-Revised; PCL-R; Hare, 1991; 2003), que é composta pelos dois factores propostos pelo autor. A versão mais recente da escala discrimina os aspectos interpessoais/afectivos que se incluem no Factor 1 ou Psicopatia Primária, dos aspectos relativos ao comportamento antissocial e impulsivo que se enquadram no Factor 2 ou Psicopatia Secundária. Mais especificamente, no Factor 1, incluem-se itens como o charme superficial, o mentir patológico, o sentido de grandiosidade, o estilo manipulativo, a ausência de remorsos e de empatia, a superficialidade afectiva e a externalização da culpa. Por outro lado, no Factor 2 encontramos uma divisão em duas facetas: o estilo de vida impulsivo, que remete para a irresponsabilidade, tendência para o tédio, um estilo de vida “parasita” e o desvio social que se traduz em delinquência juvenil, fraco controlo comportamental e versatilidade criminal (Harpur, Hakstian & Hare,1989; Hare, Harpur, Hakstian, Forth, Hart & Newman, 1990; Hare, 2003).

Friday, December 25, 2015

Psicopatia, Sociopatia ou Perturbação da Personalidade Antissocial (PPAS)?

Na literatura os termos Psicopatia e Sociopatia são frequentemente usados em alternância, apesar de haver uma predominância do primeiro. Hare e Babiak (2006) reconhecem diferenças claras entre os dois constructos referindo que a Psicopatia é aquele que pode ser aferido pela PCL-R (Hare, 2003) e que remete para sujeitos sem empatia, moralidade reduzida entre outras características, por outro lado, a Sociopatia remete para padrões de comportamento e atitudes consideradas antissociais ou criminais pelas regras sociais vigentes. 

Um sociopata pode ter um bom nível de consciência dos seus atos e capacidade para estabelecer relações empáticas, sentir culpa e ser leal nas suas relações, no entanto o seu sentido do que está certo ou errado centra-se nas expectativas e nas normas da subcultura ou grupo onde está inserido (Babiak & Hare, 2006; Pemment, 2013). 

Relembro que, a Psicopatia é uma perturbação de carácter duradouro, caracterizada por um padrão persistente de comportamento antissocial e criminal e por estilos de personalidade onde prevalecem características como a ausência de consciência, de empatia e de culpa, bem como uma incapacidade para estabelecer relações de lealdade para com outros.

A Perturbação da Personalidade Antissocial (PPAS) é uma categoria de diagnóstico presente no Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - DSM-IV-TR (APA, 2006), onde o comportamento antissocial e criminal têm um papel preponderante, assemelhando-se mais à sociopatia do que à psicopatia (Babiak & Hare, 2006).

Outras pesquisas já efectuadas demonstram que a psicopatia e a PPAS são, de um ponto de vista empírico, conceitos distintos. Os critérios de diagnóstico da PPAS apresentados no DSM-V (APA, 2013) estão fortemente associados à vertente comportamental da patologia, atribuindo ao comportamento desviante e ao estilo de vida criminal um peso muito superior, relativamente à vertente afectiva e interpessoal, que também é parte integrante da patologia. Desta forma, não se pode considerar que a psicopatia esteja representada nos critérios abrangidos pela PPAS (Wall, Wygant, & Sellbom, 2014).

A PPAS é frequentemente usada para explicar diversas formas de criminalidade e condutas desviantes, no entanto a maioria dos indivíduos diagnosticados com PPAS não são psicopatas mas a maioria dos sujeitos com Psicopatia exibem sintomas de PPAS (Hare, 1993).

Psicopatia?

De acordo com a literatura a Psicopatia é uma perturbação de carácter duradouro, com início em idade precoce, caracterizada por um padrão persistente de comportamento antissocial e criminal e por estilos de personalidade onde prevalecem características como a ausência de consciência, de empatia e de culpa, bem como uma incapacidade para estabelecer relações de lealdade para com outros. Esta perturbação está presente em publicações de psiquiatria (e não só) desde o século XIX. 

Já em 1801 o psiquiatra Francês Phillipe Pinel publicou a sua obra “Tratado médico filosófico sobre a alienação mental” evidenciando perturbações onde as emoções que estavam primariamente envolvidas. Pinel descreve pacientes que apesar de apresentarem características típicas de um quadro de mania, não sofriam de delírios nem de quaisquer défices cognitivos e incorriam frequentemente na prática de comportamentos antissociais, sugerindo a existência de psicopatologia, no entanto, sem comprometimento da capacidade de entendimento.
Também o Psiquiatra Inglês James Prichard (1835) encontrou pacientes com o que designou por "loucura moral", uma condição que levava a que alguns indivíduos, com capacidades intelectuais intactas, agissem de uma forma perversa, sem demonstrar quaisquer sentimentos de moral ou princípios éticos e diversos indicadores de conduta antissocial.

Esquirol, em 1838, surge com o conceito de “monomania”, baseando-se no envolvimento primário e independente das funções intelectuais, emocionais ou volitivas.

Lombroso (1880) propôs a existência de uma correlação entre personalidade e propensão inata para o crime, surgindo com a teoria do "delinquente nato". Para o autor a identificação destes indivíduos podia ser feita com recurso à análise das suas características físicas, como a estrutura e a simetria corporal.

Morel (1957) descreveu estes indivíduos como “maníacos instintivos” e considerava que a patologia se manifestava numa idade muito precoce, com sinais de depravação das tendências morais. O autor considera o factor etiológico como sendo crucial na patologia e criou uma categoria que denominou por “loucura dos degenerados”. Morel considerava o efeito de agentes externos como o álcool e outros produtos tóxicos, que poderiam predispor um indivíduo para a degeneração.

Koch (1888) surgiu com o conceito de “Inferioridade Psicopática”, sendo a escola Alemã a primeira a recorrer ao termo “Psicopatia” para esta perturbação. Este conceito abrangia todas as perturbações da personalidade, congénitas ou adquiridas, que tivessem influência na vida pessoal do sujeito e que, embora não fossem consideradas como patologia mental, davam a entender que as suas faculdades mentais se encontravam comprometidas (Millon, Simonsen, Birket-Smith & Davis, 2003).

Kraeplin (1904) propôs a categoria “personalidade psicopática”, onde se incluíam indivíduos com inibição do desenvolvimento da personalidade nas dimensões afectiva e volitiva e alguns casos fronteiriços de psicose. O autor encontrou um subgrupo de indivíduos com patologia que designou por “vigaristas”, que se caracterizavam pela sua eloquência e charme mas detentores de uma total ausência de moralidade ou lealdade para com os outros. Refere-se a estes sujeitos como sendo tipicamente especializados na prática de fraude, manipulação e usualmente acumulam dívidas de somas avultadas que não têm intenção de pagar (Herpertz & Sass, 2000; Patrick, Fowles & Krueger, 2009; Shine, 2000).

Hervey Cleckley (1941; 1988) ao longo da sua carreira clínica teve a oportunidade de observar inúmeros casos de indivíduos com patologia mental, e dessa observação salientou-se um grupo de pacientes que apresentavam um perfil, considerado único pelo autor, pelas suas características afectivas e interpessoais, como a baixa ansiedade, a incapacidade para sentir culpa ou vergonha, a incapacidade para manter relações amorosas ou intimas estáveis, superficialidade emocional e incapacidade de estabelecer relações de confiança e pelo seu comportamento impulsivo e irresponsável.

O psiquiatra Americano Benjamin Karpman (1941), introduziu a primeira categorização da Psicopatia como um constructo bifactorial, onde se podem distinguir o Factor 1 - Psicopatia Primária - e o Factor 2 - Psicopatia Secundária - estando o primeiro associado a défices afectivos, de origem genética e o segundo a uma fraca aprendizagem psicossocial com origem ambiental. O autor identificou um grupo de indivíduos que apresentavam um comportamento errático e marcado por condutas antissociais, que exibiam elevados níveis de ansiedade e de depressão, em conjunto com sentimentos de raiva, agressividade e impulsividade, aos quais designou por Psicopatas Secundários. Por outro lado, indivíduos com défices na sensibilidade emocional, que considerava serem inatos designar-se-iam Psicopatas Primários.
 
Assim surgiu a mais comum distinção entre as duas variantes da Psicopatia, ainda utilizada actualmente.